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    SABERES DA DIVERSIDADE CULTURAL GOIANA: MANIFESTAO DACATIRA NAS FESTAS RELIGIOSAS

    Maisa Frana Teixeira1Mestranda do Programa de Pesquisa e Ps-Graduao em Geografia do Instituto de

    Estudos Socioambientais daUniversidade Federal de Gois- IESA/UFG.

    [email protected]

    Maria Geralda de AlmeidaProfessora Titular do Programa de Pesquisa e Ps-Graduao do Instituto de Estudos

    Socioambientais da Universidade Federal de Gois IESA/[email protected]

    1. INTRODUO

    As representaes das manifestaes culturais fortalecem a relao das pessoas

    com suas heranas culturais. Assim, os questionamentos decorrentes da busca e da

    preservao das manifestaes culturais esto na pauta das discusses acadmicas,

    polticas e filosficas. Essa preocupao se deve, principalmente, pelo acelerado

    processo de globalizao mundial, que ameaa constantemente destruir constructos de

    identidade local e regional.

    Grande destaque se d ento, para a grande concentrao de festas religiosas e

    manifestaes populares culturais espalhadas por todo o territrio e para esta discusso,tomou-se como objeto o estudo da manifestao da Catira nas festas religiosas goianas.

    Atualmente, os debates em torno do termo cultura e dos seus mais variados

    desdobramentos assumem uma primordial funo na nossa sociedade. Passa-se por uma

    considerada mudana cultural, principalmente por meio das novas tecnologias e

    Bolsista do Projeto Pr-Cultura: A dimenso territorial das festas populares e do turismo: estudo

    comparativo do patrimnio imaterial de Gois, Cear e Sergipe. Edital n.07/2008. Orientadora: Prof. Dra.

    Maria Geralda de Almeida. Programa de Ps-Graduao em Geografia do Instituto de EstudosSocioambientais da Universidade Federal de Gois.

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    renovaes da informao, propiciando diferentes aproximaes entre os grupos

    humanos. Tais tecnologias trazem consigo aspectos negativos, como a centralizao dopoder e a dominao econmica e cultural, o que promove a concentrao de riquezas

    nos grandes centros produtores de cultura e, conseqentemente, sua massificao.

    Pode-se dizer que a cultura construda historicamente foi transformada no tempo

    e no espao e est ligada a histria particular de cada famlia, grupo ou indivduo. A

    cultura historicamente construda nos meios econmicos, polticos e sociais, que

    originam diversidades na sociedade mundial

    As discusses em torno da cultura, seja ela em qualquer instancia, refletem-se

    diretamente e indiretamente nas manifestaes culturais. Por isso, precisamos

    compreender como constituem a cultura e suas manifestaes culturais, como a Catira

    no territrio goiano.

    As diferentes sociedades so formadas por diversos motivos, mas neste estudo

    privilegiam-se as diferenas culturais no meio rural/urbano, que agem sobre os espaos

    de maneiras distintas, de acordo com suas necessidades e destaques.

    As diversidades de prticas culturais no espao goiano acompanham a

    diversidade humana, e so manifestadas de forma diferenciada, o que se pode observar

    nas Catiras.

    A cultura, conforme Canclini (2003, p. 35), abarca o conjunto de processos

    sociais de significao, ou melhor, o conjunto de processos sociais de produo,

    circulao e consumo da significao na vida social. No constitui, desse modo,

    nenhum tipo de erudio, educao, informao vasta ou refinamento. No se restringe

    a grupos de maior ou menor influncia social. caracterstica plural, da comunidade

    humana, seja ela vista como um todo planetrio, seja fragmentada em pequenos blocos.

    Assim, pode-se dizer quea cultura o referencial humano, que se vale para os

    conhecimentos adquiridos ao longo da vida, por meio das experincias e sistematizados

    pela tcnica no cotidiano na forma de agir, vestir e ser, transformando assim o espao de

    acordo com as necessidades e interesses de cada indivduo. Ela est presente no espao

    por meio das prticas sociais e no campo dos pertencimentos humanos (tradies, mitos,

    crenas, entre outros), nas manifestaes que influenciam a construo do conhecimento

    social, poltico e cultura. Assim, a cultura considerada dinmica e vai norteando o

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    desenvolvimento do homem, agindo como uma importante produo no espao

    mundial.Para a sociedade, trata-se de algo constantemente aprendido com a famlia,com

    a religio e com a escola, por meio dos contatos, experincias cotidianas; ou seja,

    podemos entender que cada indivduo constri um ato cultural de acordo com os

    conhecimentos que carrega consigo, desde o seu nascimento.

    A diversidade cultural, decorrente da miscigenao entre estes povos formadores

    da sociedade brasileira atual, proporcionou uma espcie de caldeiro cultural de onde

    surgem, em meio ao caos, belssimas manifestaes artsticas populares como msicas,

    danas, poesias, esculturas e pinturas. Assim como a cor da pele, os olhos e os cabelos

    foram tomando caractersticas particulares, os ritmos, bailes e cantares tiveram o mesmo

    fim: fundiram-se, constituindo a Msica e a Dana Popular Brasileira. Podemos dizer

    que o potencial criativo do povo brasileiro, conhecido mundialmente, existe graas a

    essa diversidade cultural. Assim como a biodiversidade essencial para a continuidade

    da vida, a diversidade cultural essencial para a evoluo do potencial criativo de toda a

    humanidade. (DAMBRSIO, 1997, p.63)

    De norte a sul do pas, encontram-se inmeras manifestaes de danas, tais

    como as catiras, que so praticadas nos sales, terreiros, ptios das Igrejas, praas,

    enfim, onde o povo est. Essas danas so passadas de gerao a gerao como uma

    herana prodigiosa que deixa tanto os pais quanto os filhos, orgulhosos de fazerem parte

    de tal tradio. Nesse sentido, o conhecer-se por meio do que nos forma pessoal,

    cultural e socialmente fundamental para o desenvolvimento saudvel da nossa

    identidade, e necessrio para que faa parte dessa identidade compreender e respeitar as

    diversidades existentes. Posto isso, acredita-se que se tem muito a aprender e reaprender

    com a cultura popular.

    Para Johnson (1999), cultura ;

    o modo particular pelo qual as pessoas se adaptam ao seu ambiente; tambm a resposta dos homens s suas necessidades bsicas; tambm o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de sereshumanos, ocupando um territrio comum, criou em forma de idias,instituies, linguagens, instrumentos, servios e sentimentos.

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    A cultura sempre um completo. criao do homem, recebida como herana

    dentro do grupo em que cada pessoa nasce; adquirida ao contato com outros grupos. um complexo, porque forma um conjunto de elementos, inter-relacionais e

    interdependentes, que funcionam harmonicamente na sociedade. Os hbitos, idias e

    tcnicas, formam um conjunto, dentro do qual os diferentes membros de uma sociedade

    convivem e se relacionam. A cultura um instrumento de adaptao do homem ao

    meio. atravs dos valores culturais que o homem se integra ao seu meio.

    Por meio do padro cultural se evidncia a originalidade das culturas; identifica-

    se o que h de especfico ou de peculiar numa cultura. Os complexos de cultura so

    aqueles conjuntos de traos culturais intimamente ligados entre si que formam uma

    unidade de funo, em destaque para as festas, que assim, produzem uma identidade

    cultural, por meio da vivncia, da demonstrao, do vesturio, da alegria/diverso, entre

    outros.

    A importncia de trabalhar com os saberes tradicionais relacionados com as

    manifestaes culturais fortalece a relao das pessoas com suas heranas culturais,

    estabelecendo melhores relacionamentos destas com estes bens e com a necessidade de

    preservao e valorizao das manifestaes.

    Geertz (1989) nos lega um conceito de cultura fundamental para uma leitura

    sobre diversidade cultural ou multiculturalismo, se assim quisermos entender,

    justamente porque o traduz como uma teia de significados no qual o homem acha-se

    envolto.Os significados comportam as mais diversas prticas, representaes,

    simbolismos dos diferentes grupos sociais e/ou sujeitos que estabelecem seus convvios

    sociais. Estes significados dimensionam sentidos explicativos relacionados sua

    existncia. So mltiplos, formando teias, originando os saberes tradicionais.

    Considerando tais relevncias, as questes culturais e identitrias para se

    compreender a nossa cultura e o momento histrico retratam-se tambm, o papel que os

    saberes tradicionais desempenham na construo das identidades e na preservao das

    manifestaes culturais, como a Catira, no estado de Gois. Com o propsito de estudar

    o espao cultural goiano, fez-se necessrio um recorte temtico em virtude da vasta

    presena de ritos que evocam as tradies locais nesse estado, como o caso das catiras.

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    Para esta discusso, tomou-se como objeto os traos da manifestao cultural da

    catira presentes como saberes tradicionais no estado de Gois.Inicia-se a discusso com os debates em torno das manifestaes culturais e os

    saberes tradicionais, com o intuito de ajudar o leitor a se situar e a entender a dimenso

    desse tema e aquele usado no escopo do trabalho. Em seguida ser apresentado o

    territrio festeiro do estado de Gois. Logo, se trabalha os saberes tradicionais e a

    manifestao cultural da Catira associada s festas religiosas. Por ltimo, as

    consideraes finais com uma anlise dos principais aspectos mencionados no trabalho.

    2. MANIFESTAES CULTURAIS E OS SABERES TRADICIONAIS

    Atualmente, os debates em torno do termo cultura e dos seus mais variados

    desdobramentos assumem uma primordial funo na nossa sociedade. Passa-se por uma

    considerada mudana cultural, principalmente por meio das novas tecnologias e

    renovaes da informao, propiciando diferentes aproximaes entre os grupos

    humanos. Tais tecnologias trazem consigo aspectos negativos, como a centralizao do

    poder e a dominao econmica e cultural, o que promove a concentrao de riquezas

    nos grandes centros produtores de cultura e, conseqentemente, sua massificao.

    Pode-se dizer que a cultura construda historicamente foi transformada no tempo

    e no espao e est ligada a histria particular de cada famlia, grupo ou indivduo. A

    cultura historicamente construda nos meios econmicos, polticos e sociais. uma

    obra/leitura sempre inacabada, sempre em processo de (re)construo.

    A diversificao da sociedade origina a diversidade da cultura representada por

    um povo. por meio dessa, que (re)cohecemos e (re)contruimos a histria e a

    identidade de cada sociedade. Uma vez que a diversidade passa a representar uma

    diversidade simblica e molda a identidade individual e de grupos, permitindo a sua

    modificao e no apenas a sua descrio.

    Canclini (1987), diz que o massivo a forma que assumem as relaes sociais

    num tempo em que tudo se massificou: o mercado de trabalho, os processos produtivos,

    o desenho dos objetos e at as lutas populares.

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    Atualmente observa-se a presena de um espao relativo na mdia, em geral,

    sendo ocupado por grupos populares que protagonizam manifestaes tradicionais desuas culturas, tais como no estado de Gois, o Programa de TV Frutos da Terra. Ele

    oportuniza aumentar assim, o contato com as prprias razes.

    Precisa-se compreender como constituem a cultura, seus saberes e suas

    manifestaes, pois as discusses em torno da cultura, seja ela em qualquer instancia,

    refletem-se diretamente e indiretamente nas manifestaes culturais.

    O saber tradicional que, de acordo o Relatrio Nacional para a Conveno

    sobre Diversidade Biolgica (1998), "um conhecimento a respeito do mundo natural e

    sobrenatural, transmitido oralmente, de gerao em gerao, [...] prticas e inovaes e

    no um simples repositrio de conhecimentos do passado. Assim, um modo de

    produzir inovaes e transmitir conhecimentos por meio de prticas especficas"

    (GALLOIS, 2000, p.57).

    Em suma, os saberes tradicionais so aqueles acumulados das populaes

    tradicionais sobre a reproduo, a fauna, a flora, as atividades naturais, o lazer, a

    diverso e os entretenimentos culturais repassados de geraes a geraes. Observam-se

    como os moradores locais em seu cotidiano, atribuem aos lugares, ao meio em que

    vivem e as manifestaes os mais diversos significados de suas experincias nos

    sentidos histricos e culturais.

    Assim, os rituais e os costumes dos antepassados refazem a vida antiga e

    conservadora, em que vrios ainda resistem ao tempo e progridem entre as novas

    geraes, conservando principalmente a identidade cultural goiana. Destaque para a

    dana da Catira, envolvente em todo o estado de Gois.

    As catiras tratam-se de danas passadas de gerao a gerao como uma herana

    prodigiosa que deixa tanto os pais quanto os filhos, orgulhosos de fazerem parte de tal

    tradio. O conhecer-se atravs do que nos forma pessoal, cultural e socialmente

    fundamental para o desenvolvimento saudvel da nossa identidade, e necessrio para

    que faa parte dessa identidade compreender e respeitar as diversidades existentes.

    A manifestao cultural da Catira praticada largamente pelos interiores do

    Brasil, entre destaque esto os estados de Minas Gerais, So Paulo, Mato Grosso do Sul,

    Tocantins e principalmente, o Estado de Gois.

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    De acordo com a Secretaria de Cultura, do estado de Gois, o estado est situado

    na parte leste da regio Centro-Oeste, o Estado de Gois, integra o planalto central,constitudos por terras planas e faixas da floresta tropical. O estado possui o nome pela

    antiga presena dos ndios Goyazes. Com a chegada do branco (europeu) ocorreu o

    aprisionamento desses ndios e de escravos para a mo-de-obra. Assim, formou o povo

    goiano, com uma mescla de culturas. A aculturao europia resultou nas danas,

    folguetos e festas, principalmente dos santos, herdadas tambm do branco europeu.

    Ento, o estado ganha destaque por suas inmeras manifestaes culturais, como as

    congadas, Folia de Reis, Catiras, Fogaru, entre outros.

    Essas danas se desenvolvem por meio de um ritmo de sapateado brasileiro

    semelhante a um bate-p ao som de palmas e violas. Pode ser exercitado somente por

    um grupo de homens ou tambm por um grupo de mulheres.

    Pelo conhecimento sobre esse ritmo de dana, marcado por violas e batidas das

    mos, uma contra as outras, se embeleza pelos trajes comuns utilizados pelo grupo:

    chapu, botina, cala comprida, camisa manga longa e gravatas de lenos.A coreografia

    alternada em cada regio, o estado de Gois, baseia-se principalmente na linha country

    americana.

    A dana inicia-se com puxado do violeiro com seu rasqueado2e os danadores

    que fazem a escova, ou seja, um bate-p e bate-mo. Logo, o violeiro canta parte da

    moda ajudada pela segunda voz, e assim, voltam ao rasqueado. Os danadores entram

    no bate-p, bate-mo intercalados por pulos, transpasses e voltas. Quando encerra a

    moda, os danadores realizam o que se denomina Serra Acima, na qual rodam uns

    atrs dos outros, da esquerda para a direita, mantendo os movimentos de ps e mos.

    Feita a volta completa, os danadores viram-se e se voltam para trs, realizando o que se

    denomina Serra Abaixo. E ao terminar cada um deve estar no seu lugar, a fim de

    executar novamente os ritmos dos ps e das mos.

    Encerra-se o recortado, no qual as fileiras trocam de lugar e assim tambm os

    danadores, at que os violeiros se colocam na extremidade oposta e depois voltam aos

    seus lugares. Durante o recortado, depois do levante, no qual todos levantam a

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    No popular, o rasqueado significa a msica popular que tem as suas origens nos ritmos que formaramposteriormente a msica popular brasileira

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    melodia, cantando em coro, os cantadores entoam quadrinhas em ritmo vivo. No final

    do recortado, os danadores concluem numa evoluo mais acentuada do bate-p, bate-mo e dos pulos, que exige uma maior coordenao e preparo fsico.

    A Catira parte dos ritos goianos e se constitui como uma cultura popular

    caracterstica do lugar, a qual contribui para a construo de identidades da comunidade

    rural e urbana, sendo assim, indispensveis para a preservao dos saberes tradicionais

    das comunidades.

    3. O TERRITRIO FESTEIRO

    As festas so importantes elementos da cultura e de um determinado povo, pois

    por meio desse territrio festivo que os grupos sociais apresentam sua histria, seus

    ritmos, sua identidade, seus estilos de vida, enfim, suas danas.

    Para muitos, as festas so momentos de lazer e diverso e nela em que se

    ocorrem os encontros e por meio dela que se iniciam os namoros e com ela se faz jus

    ao capitalismo, ao associ-la as roupas novas, a feira e a bebida, sendo assim, ao mudar

    de aparncia, cria-se uma cpia de si em si mesmo. Mas precisamente, se preparar

    para receber uma alteridade.

    Para Passos (2002), a diversidade e multiplicidade das formas de organizao

    esto na base da formao histrica brasileira. O autor retrata que as procisses e as

    festas religiosas so as atividades urbanas mais antigas do Brasil (p.36).

    Porm com as alteraes da sociedade, a cultura sofre modificaes e assim os

    gestos e os costumes do passado vm sempre com modificaes, com novos sentidos,

    cores, e tambm com novos modos de ser e de vestir. Na prtica, o ressalta-se que

    impossvel mantermos as manifestaes exatamente como em seu inicio, pois, ns

    recriamos os nossos hbitos e conseqentemente reinventamos nossas festas, bem

    como, nossas danas. Assim, as festas caracterizam os homens e mulheres de acordo

    com sua poca e com o seu povo.

    Com grandes contribuies, Di Meo (1998) discute as dimenses simblicas e

    identitrias das festas, essa que produz ou reafirma uma identidade da comunidade

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    representada, assim, as festas, destaca tambm os paradoxos e os conflitos da alteridade

    existente.Para o mesmo autor, a festa est marcada pelo simbolismo, e no h uma ruptura

    total do cotidiano, mas sim, um evento que d contorno humano ao lugar, ento a festa

    multiplica seus lugares, instalando-os em redes ao mesmo tempo concretas e

    simblicas (DI MO, 1998, p.48).

    Assim, o espao da festa representado, nomeado e vivido, apropriados pelos

    participantes, habitantes e visitantes da festa. Para o autor, as festas demonstram a

    humanidade, por meio das formas, dos conflitos, reforando assim, os laos simblicos

    com o territrio.

    Almeida (2010, p.3), retrata as festas, como o dia da demonstrao pblica pela

    qual se deseja tocar o esprito do prximo, atrair fortemente sua ateno, mostrarem

    evidncia, fazer a celebrao triunfar, de manifest-la.

    Para o estado de Gois, as contribuies de Deus e Silva (2003) retratam que as

    festas goianas foram encontradas primeiramente nos documentos eclesisticos, em

    crnicas, relatos de viagem, dirios femininos, em jornais e tambm em transmisso

    oral.

    O estado de Gois caracterizado principalmente pelas festas religiosas

    (catolicismo popular), em especial, se tem destaque nos jornais e nos levantamentos

    realizados, a Festa do Divino Esprito Santo representada de diferentes maneiras em

    todo o estado; a Procisso do Fogaru nas ruas da Cidade de Gois e em especial, aos

    santos populares e padroeiros dos municpios goianos.

    A Romaria de Trindade e do Muqum ganha eixo predominante na categoria de

    festa sagrada e profana no estado, principalmente pela grande quantidade de fiis

    respectivamente, a imagem dos Santos Reis e Nossa Senhora da Abadia.

    Assim, Deus e Silva (2003 p.57) retratam a insero das festas dentro de uma

    festa maior, algumas danas tambm compem os pousos de folia, como o caso da

    catira, dana muito difundida por todo o interior de Gois, no entanto, a catira uma

    dana de apresentao dos folies, das quais o pblico assistente normalmente no

    participa.

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    A Catira tradicionalmente faz parte de outra manifestao cultural popular em

    Gois, a Folia de Reis, pois de acordo com vrios autores, uma dana folclrica quevem por meio de uma divindade para complementar o que se tem na folia. Assim, o

    grande papel da Catira, quando inserida na Folia de Reis nico e exclusivamente para

    animar os folies bem como atrair o pblico.

    A Folia de Reis, presente em todo o territrio goiano, destaca-se por no existir

    uma maneira nica de apresentao, assim, como as inmeras danas do estado

    presentes nas festas populares. Esse simboliza as riquezas inesgotveis que so

    oferecidas ao homem sem que ele faa nana especial para merec-las.

    As danas hoje representam um espao grande na vida cultural dos goianos,

    principalmente devido sua associao com a religiosidade. As danas populares

    associadas ao folclore regional e a cultura popular ganham foras no territrio e buscam

    a sua valorizao.

    Para o autor, a dana realiza-se ao som das violas, com as palmas e os bate-ps

    dos catireiros danados logo aps o recortado. Retrata ainda que quando se acaba uma

    estrofe, gritavam-se vivas aos violeiros e assim continuamente.

    Percebe-se que com modificaes oriundas das diversidades atuais, a Catira se

    espacializa diferentemente no territrio goiano, porm bem parecida, com a descrita por

    Americano do Brasil.

    As autoras Deus e Silva (2003 p.70) destacam que as festas, danas, as religies

    e as religiosidades fazem parte da cultura de Gois, bem como, a Catira. Assim, faz-se

    necessrio conhec-la para entendermos o modo de ser e de agir das pessoas que ali se

    encontram mesmo posteriormente as recriaes e readaptaes postas.

    Enfim, por meio das festas que se pode conhecer de uma maneira diferente, as

    historias contadas em cantos, danas, e manifestaes distintas. E, contudo, ela serve

    para analisar e comparar as diferentes sociedades e estilos de vida de determinadas

    pocas. Assim, a Catira se espacializa territorialmente em Gois e se diversifica

    originando assim, territorialidades.

    Dentre as diversas manifestaes festivas, a Folia de Reis uma manifestao

    religiosa de destaque em todo o territrio nacional. Para muito, a manifestao consiste

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    numa memria do relato bblico, a jornada dos Reis Magos (Gaspar, Baltazar e

    Melquior), que viajaram do Oriente a Belm.A Folia consiste em giros. Esses so divididos em trs partes. A primeira

    consiste na sada da procisso. Nesse momento, os grupos realizam cantorias e rezas

    agradecendo ao santo da bandeira a oportunidade de demonstrar sua devoo e pedem

    proteo para conseguirem cumprir a misso de realizar o giro at a entrega. A

    segunda parte consiste no giro propriamente dito. Os folies saem de casa em casa,

    cantam, rezam e pedem esmola para a realizao da festa de entrega.

    Durante o giro, ocorrem os pousos de folia, que so almoos e jantares

    oferecidos pelos devotos. Aps essas refeies, os pousos ganham outra animao,

    quando acontece a dana da catira. Nesse momento os folies danam em momento de

    alegria e diverso, animando a festa e criando uma nova festa ao encontro de msicas

    e danas.

    Associada a Folia de Reis, a Catira est sempre presente na festa religiosa,

    principalmente pela grande quantidade de folies3que conhecem a dana da Catira. Os

    grupos nesse momento so formados aleatoriamente ou at mesmo por grupos que

    fazem apresentaes externas, em eventos.

    Cabe ressaltar que o turismo tem dado impulsos para que as apresentaes das

    folias, quanto s de Catira ocorrem fora do seu contexto religioso e tradicional.

    Para muitos do senso comum, a dana simplesmente uma movimentao do

    corpo, porm o cenrio brasileiro da dana bem mais amplo do que esse pensamento.

    Principalmente nas ltimas dcadas grupos surgiram e estudiosos travavam a publicao

    de livros, artigos e revistas sobre o tema em questo.

    Porm com a grande quantidade de estudos sobre o corpo em seus aspectos

    fsicos e biolgicos, a dana requer estudiosos para aprofundar em temticas como a

    construo do conhecimento repassado, a sobrevivncia de tais manifestaes, bem

    como as mais diversas manifestaes existentes em todo o pas, tais como: danas

    populares, clssicas e contemporneas. Para Saraiva Kunz (2005, p. 121), no existe

    dana sem tcnica, ou seja, sem um produzir que poesis.

    Aqueles que realizam os giros da Folia.

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    O mesmo autor retrata que normalmente, o canto com a dana primeiro ocorre

    pelas suas formas tradicionais, com suas tcnicas formalizadas (p.121). Enfim, asdanas esto impregnadas na vida da populao, cada uma em seu territrio; so

    legtimas expresses de vida e alma de cada indivduo. uma manifestao coletiva e

    est presente em todo o territrio nacional brasileiro.

    A dana possui como um de seus elementos marcantes, a tcnica e a

    expressividade. A tcnica se faz necessrio para explorar os elementos da dana.

    Em relao expressividade, autores utilizam o temo vivenciar a dana, em

    que esto vivenciando os sujeitos que expressam e mergulham na aventura da arte,

    reproduzem movimentos, percepes, smbolos e sentidos. A expressividade existe no

    comportamento humano, na vida, no modo de ser, de agir e de compor o sistema

    artstico.

    Em buscas, encontram-se vrias citaes referentes origem da catira. Alguns

    estudiosos referem-se a esta dana atrelando aos indgenas, sendo de cunho religioso.

    Sendo assim, encontra-se definies como Cmara Cascudo que conceitua a

    catira como,

    (...) dana rural do sul do Brasil, conhecida desde a poca colonial, emSo Paulo, Minas e Rio de Janeiro. Duas filas, uma de homens outrade mulheres, uma diante da outra evolucionam, ao som de palas e debate-ps (Sapateados), guiados pelos violeiros que dirigem o bailado.

    Enfim, a origem da dana incerta e menes a essa manifestao cultural so

    encontradas nos sculos anteriores. Assim, as territorialidades da Catira devem serreconhecidas, portanto, como um ato, uma ttica de controle da sociedade goiana sobre

    o seu territrio, seja em qualquer aspecto existente.

    No contexto goiano, a catira percebida em outras manifestaes culturais

    populares, como a Folia de Reis. A dana est inserida indiretamente e diretamente

    nessa festa religiosa, e tem como funo principal alegrar e animar os folies que ali se

    encontram, at porque, grande parte dos danarinos sero os prprios participantes da

    Folia de Reis de Gois.

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    Com as estradas de ferro e a industrializao de So Paulo, o estado ganhou

    foras para exportao de alimentos, posteriormente surgem o atacado e o varejo dosconsumistas urbanos. Juntamente com o crescimento do estado, as cidades iam

    crescendo, melhorando a infra-estrutura e se integrando ao restante do pas.

    O desenvolvimento do estado se deu principalmente, a mudana da capital do

    estado para Goinia e tambm a fundao de Braslia, o que cooperou para a

    representatividade que se tem hoje em todo o territrio goiano.

    Enfim, Gois foi povoado principalmente pela representatividade mineradora no

    estado o ouro. Por meio dos minrios, as cidades e diversas atividades nasceram e

    integram a riqueza do patrimnio material e imaterial de Gois.

    Outro ponto a ser abordado a religio do estado de Gois. Em sua maioria

    catlica, a populao goiana est intimamente ligada vida religiosa e as manifestaes

    que a procedem.. Assim, vale ressaltar o conglomerado de manifestaes ali presentes,

    tanto religiosas quanto contemporneas, oriundas de escravos, indgenas e europeus, as

    atividades culturais goianas se diversificavam entre: a congada, a Folia de Reis, as

    cavalhadas, os aruendas, as catiras, entre outros.

    Com grande destaque na cultura goiana observam-se os fortes traos da cultura

    africana, indgena e europia, por isso, a concentrao da dana em quase todo o

    territrio do estado. As tradies, o folclore, a literatura, a culinria se refere ao campo

    das descendncias anteriores.

    Rdua (2010) retrata em sua pesquisa que a dana da Catira era praticada pelos

    caipiras, ou seja, pelas pessoas que viviam no setor rural no incio do sculo XX. O

    estilo e a ornamentao eram diferentes, tais como toldos, vestimentas, e o estilo se

    faziam por meio daquela paisagem rural. O cho de terra e as botas desvendavam o som

    e o batuque dessa dana rstica.

    A Catira ento se destacou no meio rural. Com o xodo rural, veio para a cidade

    ainda caracterizada pela sua ruralidade; os instrumentos apropriados, o chapu na

    cabea, o estilo e voz de caipira transgridem em meio ao som dos carros e a construo

    de casas e prdio o surgimento das cidades.

    Principalmente como tradio familiar, os grupos de catira oriundos do meio

    rural, repassou de avs/pais/filhos a dana. Presente em quase todo o estado de Gois,

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    os grupos destinados somente a glorificao religiosa, tornaram-se grupos formados, em

    que apresentaes em outros municpios/locais eram constantes.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Por meio da leitura bibliogrfica especfica pode-se constatar a preocupao dos

    autores em difundir e valorizar a linguagem cultural e a criao de identidades a partir

    da cultura, em especfico, das manifestaes culturais.

    Os grupos de Catira que anda resistem ao tempo so os responsveis por manter

    a tradio da manifestao da catira, fazendo com que a mesma viva at hoje e

    transmitam alegria para os locais de apresentao.

    Considerada um importante patrimnio imaterial para os participantes e para os

    admiradores, a catira considerada um meio para que todos tenham acesso a universos

    diversos, diferentes do seu cotidiano. Assim, essa luta pela sua sobrevivncia e

    conservao se faz necessria e totalmente importante.

    Atualmente a Catira, insere-se em uma grande manifestao religiosa e se tornaem meio as rezas e louvores um momento de alegria e divertimento para os que esto

    presente. Assim, a Catira impetra significado fundamental na Folia de Reis.

    Acredita-se que as manifestaes culturais se fazem necessria em todos os

    mbitos, mas de maneira efetiva na vida da populao, para que esta possa ser

    continuada e mantida na vida da populao goiana, visa-se um trabalho integrado e

    difusor para que se possa preservar e difundir as manifestaes que constituem um dos

    saberes mais tradicionais de nossos antepassados, em especfico, a manifestao daCatira.

    A alegria da Catira e de sua manifestao uma das formas mais interessantes

    de repassar as tradies dos antepassados e mant-las vivas no meio de todos. Destaque

    para a importncia da dana e que a mesma faz parte da histria de vida de todos os

    brasileiros.

    Neste contexto, as manifestaes culturais, principalmente a Catira

    relacionando-se com os saberes e configuram-se como uma proposta conservadora

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    ainda pouco difundida, embora reveladora de um trabalho que pode tornar-se

    preservador do conhecimento crtico e cultural das comunidades e indivduos.Criou-se uma identidade cultural da sociedade goiana, por meio das tradies,

    vivncias e o modo de ser da populao goiana. Considerada um importante patrimnio

    imaterial para os participantes e para os admiradores, a catira como um meio para que

    todos tenham acesso a universos diversos, diferentes do seu cotidiano. Assim, essa luta

    pela sua sobrevivncia e conservao se faz necessria e totalmente importante para o

    espao goiano.

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALMEIDA, Maria Geralda. Festas rurais e turismo em territrios emergentes. Biblio

    3W. Revista Bibliogrfica de Geografa y Ciencias Sociales, Universidad de

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    CANCLINI, Nstor Garcia. Ni folklrico ni masivo: Qu es lo popular?Dilogos de

    La comunicacion. Nmero: 17, 1987

    DAMBROSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. So Paulo: Palas Athena, 1997.

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    SARAIVA KUNZ, M.A et all. Dana e seus elementos constituintes: uma experincia

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    Formao Humana. Silva, A . M. & Damiani, I (Ogr). Nauemblu Cincia &Arte, 2005.