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    § 4º — Crimes contra a vida (continuação). Homicídio privilegiado

    I. — Linhas gerais

    Caso nº 1 Homicídio privilegiado.  A, homem casado, bem reputado no seu meio social e consideradosério e honesto no seu meio profissional, envolveu-se com uma mulher, em condições que secaracterizariam, normalmente, pelo segredo e clandestinidade, mantendo-se ao abrigo dessarelação a sua família e a sua profissão. Caiu porém numa cilada, com o fito de lhe ser etorquido dinheiro sob a ameaça de divulgação daquela sua relação e de pormenores que,naturalmente, lhe criariam vergonha. !oi levado a entregar, por duas vezes, valores vultosos,em condições de aut"ntica etorsão. #s $ltimos factos ocorreram em %arço, tendo  A recebidofotografias e negativos que poderiam ser instrumento de chantagem. %ais de cinco mesesdepois,  A  volta um dia a ser procurado, com insist"ncia pertinaz, por  B, a pessoa que dele

    etorquira aqueles valores, a qual de novo lhe eigia muito dinheiro. & insist"ncia agora feitadeu-se através de s$bita entrada no carro do  A, de ameaça com eibição de pistola que lhe foiapontada e de telefonemas diversos, culminando numa ida a casa do  A. &í,  B  renova asinsist"ncias por dinheiro e vai ao ponto de até sobre a mulher de  A eercer viol"ncia física. 'msituação de p(nico e desespero,  A mune-se da pistola para com ela dominar  B e entreg)-lo *

     polícia, com quem +) havia contactado. %as  B reage fisicamente, procurando domin)-lo. ' o  Amata-o então, disparando primeiro um tiro que o atingiu numa perna e depois, enquanto avítima continuava a reacção que +) iniciara, disparando os tiros fatais acrdão do /0 de 12 de

     3ovembro de 4556 BMJ  764, p. 1168.

    & morte de  B foi causada pelos disparos de A, pelo que este fica desde logo comprometidocom a morte de outra pessoa. A disparou e B morreu. A agiu dolosamente. 9olo é decidir-se o agente pelo ilícito, é conhecimento e vontade de realização do tipo.  A sabia que matava

     B, com a sua descrita actuação, e quis isso mesmo, ficando preenchido o ilícito contido noartigo 4:4;. & mais disso, devemos considerar ao nível da culpa8 os elementos quecontribuem para caracterizar de forma mais precisa a atitude interna do autor perante odireito, actualizada no facto. !oi nessa perspectiva que o tribunal condenou  A, como autor de um crime de homicídio privilegiado do artigo 4::;, na pena de 1 anos de prisão. # /0confirmou a decisão da 4< inst(ncia, constatando que o homicídio privilegiado assenta na

     forte diminuição de culpabilidade que se verifica quando o agente é dominado por emoçãoviolenta, compaião, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral, desdeque esse estado de espírito se+a compreensível. => o reconhecimento, por parte da lei, deque h) momentos em que o ser humano é su+eito a tão fortes tensões que não consegue, por virtude delas, dominar-se como normalmente lhe é eigível? são circunst(ncias que, não

    chegando para legitimar o seu comportamento, o tornam, em todo o caso, alvo de umacrítica bem inferior * que de outro modo lhe seria dirigida. &o matar alguém nessecondicionalismo, o agente comporta-se de forma ainda errada e que o torna passível desanção, mas em medida acentuadamente reduzida? é a constatação de que se não espera quea condição humana normal se+a a de um an+o ou um santo, nem a de uma pessoa quedomina as suas emoções e controla as suas reacções quaisquer que se+am os estímuloseteriores a que é su+eita@.

    %. %iguez Aarcia. Direito penal .B arte especial, D 7; homicídio privilegiado8, orto, 1EE2.

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    . 2mo"3es. in5mica dos estados de a&ecto

    & emo"#o é a torrente que rompe o charco da contin"ncia, é uma perturbação afectiva intensa, de breveduração, que via de regra se desencadeia de modo imprevisto 48, provocada como reacção a certosacontecimentos, acabando por predominar sobre as demais actividades psíquicas. 's.H o medo, a ira, a

    alegria, a aflição, o espanto, a surpresa, a vergonha, o prazer ertico, etc. aulo 0osé da Costa 0r.8.IittiJKani, em  A comunicação social como processo social,  p. 424, mostram o diagrama das emoçõeselaborado por chloLbergH determinação, medo, sofrimento, surpresa, felicidade, alegria, amor, desprezo,desgosto, ira. &s polaridades são dadas por agradoJdesagrado e re+eiçãoJatençãoH qualquer epressão facial

     pode ser representada por uma combinação destes factores polares. Como importante categoria de emoçõescostuma falar-se desde logo dos estados de afecto, que t"m como característica fundamental a pré-eist"nciade uma situação de conflito interior , inalter)vel, e que em regra dura h) bastante tempo. > este conflitointerior que o agente não consegue resolver e que pode dar origem * emoção. 9epois, aqueles casos, comoos de provocação  ofensa ao agente ou a terceiro8, em que as emoções resultam directamente do factoeterior e que são relativamente r)pidas B o desencadear da emoção é imprevisto e repentino. Comum atodas as situações é a fase da emoção propriamente dita que precede a descarga, o chamado t!nel daemoção, de que s se sai pela descargaH o agente é como que empurrado para a saída do t$nel, para o crime,sem se poder desviar cf. &. !erreira, %oos, 'ser8.

    /he ma+or emotions include +oM, grief, fear, anger, hatred, pitM or compassion, envM, +ealousM, hope, guilt,gratitude, disgust, and love. hilosophers, psMchologists, and anthropologists generallM agree that these aredistinct, in important respects, from bodilM appetites such as hunger and thirst, and also from ob+ectlessmoods, such as irritation or endogenous depression. /here are manM distinctions among members of thefamilM? the classification of same cases remains a matter of dispute? but there is still great consensus aboutthe central members in the familM and their distinctness from other human eperiences. 9an %. Nahan and%artha C. 3ussbaum.

    II. — 6s elementos privilegiadores

    # artigo 4::; consagra uma cl)usula de eigibilidade diminuídaH a diminuição FsensívelF daculpa do agente não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a umadiminuída consci"ncia do ilícito, mas unicamente a uma eigibilidade diminuída decomportamento diferente. /rata-se da verificação no agente de um estado de afecto, que

     pode, naturalmente, ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consci"ncia doilícito, mas que, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível daeigibilidade !igueiredo 9ias8. 9este modo, na emoção violenta compreensível o que est)em questão não " uma eventual inimputabilidade, mas Fum con+unto de disposiçõesnormais que, em face do estímulo levam * pr)tica do facto criminoso. & compreensibilidade,neste sentido, tanto abrange a falta de censurabilidade dos motivos, como dos pressupostosde uma livre determinação, traduzida na perturbação provocada por um acto que eclui aapreciação ou o controlo dos instintos ou afirmações normais da personalidade@. &FcompreensibilidadeF da emoção representa por isso uma eig"ncia adicional relativamenteao puro critério da menor eigibilidade sub+acente a todo o preceito.

    1. Compreensível emo"#o violenta

    > um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e * qual também o homem normalmente Ffiel ao direitoF não deiaria deser sensível !igueiredo 9ias8. O) emoções violentas compreensíveis e emoções violentasnão compreensíveis. 3ão se trata de uma valoração moral ou social. &ceita-se que se ei+ada emoção violenta que se+a compreensível, mas +) não da compaião ou desespero B aquela eig"ncia adicional vale para estado de afecto esténico, mas não para os de efeito

    4 Pm autor alemão, N. &. Oall,  #ahrl$ssig%eit im &orsat' , p. :5, faz a seguinte aproimação, ao tratar do

    crime em estado de afecto e do crime negligenteH FF9er &ffeQttRter tStet unversehens, der !ahrlRssige tStetaus Tersehen. # efeito perde-se na tradução, que d) mais ou menos o seguinteH F# criminoso por afectomata de improviso unversehens8? quem causa a morte por neglig"ncia age descuidadamente aus &ersehen8.

    %. %iguez Aarcia. Direito penal .B arte especial, D :; homicídio privilegiado8, orto, 1EE2.

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    asténico. or outro lado, a compreensibilidade respeita apenas * emoção e não aohomicídio.

    Caso nº * Homicídio privilegiado  A foi informada por uma tal  M  que # , morador na mesma localidade,se andava a gabar de se pUr nela. 'altada,  A  foi buscar a espingarda de caça do marido e

    dirigiu-se a casa da mulher do  # . 3o caminho,  A  encontrou &na, a quem perguntou ondemorava a mulher do # . &na respondeu que esta não estava em casa e colocou-se * frente de  A. A  carregou a arma e disparou um tiro contra &na que veio a falecer dois dias depois nohospital. 3a altura dos acontecimentos, A encontrava-se etremamente ealtada e indignada,devido ao facto de se ter sentido atingida na sua honra e dignidade pelos factos que lhe haviamsido contados pela M .

    & Velação de >vora acrdão de 7 de !evereiro de 4552,  RP   G 455G8, p. 1258respondeu negativamente * questão da eist"ncia de uma compreensível emoção violenta ede um motivo de relevante valor social e moral. 'ntendeu que se a vítima do homicídio nãotiver causado o estado emotivo em que o agente se encontra quando pratica o facto nãoter) lugar a aplicação do artigo 4::; B deste resultaria a eig"ncia de um neo decausalidade entre o estado emotivo e a pr)tica do crime Fquem for levado a matar 

    outremF8. 9iz o acrdão que a diminuição sensível da culpa s se verifica quando o agentemata a pessoa causadora da emoção violenta, e não qualquer outra pessoa.  A  foicondenada pelo crime do artigo 4:4;, con+ugado com o artigo 27;, n; 4, a8 e b8, do Cdigoenal revisto atenuação especialH 7 anos e 4E meses de prisão8.

    Cf., criticamente, na mesma revista, o coment)rio de Costa intoH o tribunal devia ter atendido apenas ao grau de emoção em que a autora se encontrava no momento do facto,abstraindo da origem dessa emoção. obre este caso, ve+a-se também 0oão Curado 3eves,

     RP  44 1EE48 =estou em total desacordo com o entendimento Wde Costa intoXH talleitura não é compatível com o teto do artigo 4::;, não decorre do fundamento daatenuação consagrado naquela norma e conduziria a resultados indefens)veis8@.

    9o que se trata é de diminuição da culpa do agente. 3ão assume relevo a questão de saber se na origem do estado emocional esteve um qualquer comportamento ilícito ou in+usto do

     prprio agente, surgindo a FprovocaçãoF como resposta ou retorsão. 3a verdade, eige-seque além de compreensível, a emoção diminua sensivelmente a culpa. /udo depender) deuma avaliação con+unta e global da situação !igueiredo 9ias, oment$rio onimbricense8.

    Caso nº Homicídio privilegiado  A suspeitava de que B, sua mulher, de quem estava separado de factohavia alguns meses, mantinha relações de seo com um seu cunhado,  . Certo dia, A verificouque B e   se encontravam +untos na mesma casa e foi procurar uma sua irmã,  D, casada com  .Cerca de duas horas depois, A e a irmã acercaram-se daquela casa e levantando uma persiana,viram B e   na cama, mas sem estarem, concretamente, a ter relações de seo.  A partiu então ovidro da +anela, e empunhando a pistola de que se munira previamente, e que carregara emantinha pronta a disparar, disparou, pelo menos duas vezes, quando  B  e    se preparavam

     para fugir do quarto. Pm desses disparos atingiu   na região fronto-parietal esquerda, o outroatingiu B na mama esquerda, introduzindo-se na parede abdominal.  A decidiu-se a matar B e  quando verificou que ambos se encontravam deitados na cama do quarto onde os foi procurar.&ctuou de modo livre, deliberado e consciente, pretendendo tirar a vida a  B  e a  . 'stes,todavia, foram socorridos e sobreviveram.

    # upremo acrdão de 4G de etembro de 4556,  BMJ  7Y5, p. 1G18 ponderou, tambémneste caso, o seguinteH & verificação do estado de compreensível emoção violenta implica aeist"ncia de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto in+usto do

     provocador e o facto ilícito do provocado? o estado de grande ealtação nada tem a ver, em princípio, com a emoção violenta que a ordem +urídica corrente qualifique decompreensível? a invocação da emoção violenta e proporcionada para o enquadramento dos

    factos no tipo do artigo 4::; deve fazer-se na perspectiva do homem médio suposto pelaordem +urídica, sem haver que atender a reacções particulares ou ao temperamento do

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    agente? é necess)rio que ocorra neo de causalidade entre as causas e a pr)tica do crime euma proporcionalidade entre umas e outro. Terificada a desproporção entre o facto in+ustoe a reacção de agressão, nunca a emoção pode ser compreensível. & emoção violentareferenciada ao citado artigo 4::; pressupõe uma provocação determinante do

    obscurecimento ou enfraquecimento da intelig"ncia, da vontade e da livre determinação eque se verifique uma relação de proporcionalidade entre o facto in+usto e o facto ilícito.'nfim, que para que se verifique a diminuição da culpa é necess)rio eista uma estritacontemporaneidade entre as circunst(ncias e o acto praticado, pelo que o decurso de umgrande lapso de tempo destri o efeito atenuativo.

    Comentar a decisão, * luz das mais recentes aquisições doutrin)rias.

    *. 7 compai0#o

    > um estado de afecto ligado * solidariedade ou * comparticipação no sofrimento de outra pessoa. Com a sua introdução no Cdigo pretendeu-se impedir que os tribunais deiem de punir a eutan)sia activa com recurso ao princípio da não eigibilidade &ctas8. Com efeito,

    cabem aqui certos casos de eutan)sia, sempre que eles preencham o tipo de ilícito.. 6 desespero

     3o desespero estão estados de afecto ligados * ang$stia, * depressão ou * revolta. odemreferir-se certos estados de humilhação prolongada cf. o acrdão do /0 de 46 de 0aneirode 455E, BMJ  :5:, p. 1418 e de suicídios da mãe que tenta matar-se com os filhos, para lhes

     poupar sofrimentos, mas que acaba por sobreviver-lhes. Zmportar) também distinguir estescasos dos que preenchem o tipo do artigo 4:7; Fhomicídio a pedido da vítimaF8.

    # desespero, como o elemento que privilegia o crime, significa aus"ncia total de esperança, e sentimento deabsoluta incapacidade de superação das conting"ncias eteriores que afectem negativamente o indivíduo, afal"ncia irremedi)vel das elementares condições para a manifestação da dignidade da pessoa. # desespero

    significa e traduz um estado sub+ectivo em que a ang$stia, a depressão ou as consequ"ncias de factores nãodomin)veis colocam o estado de afecto do su+eito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo. ara privilegiar o crime, o estado de desespero tem de dominar oagente, pro+ectando-o para situações que podem revelar uma perturbação no afecto que revela um dramainterior de tal dimensão sub+ectiva que permite considerar, nas circunst(ncias do caso, uma acentuadadiminuição da culpa por menor eigibilidade de outro comportamento acrdão do /0 de 1G de etembrode 1EEY, no proc. n; #Y1Y:28.

    III. — 8ela"3es entre o artigo 1º, o artigo 9*º em mat:ria de aten!a"#oespecial, e os casos de e0cesso de legítima de&esa

    er) o artigo 4::; dispens)vel face ao que se dispõe no artigo 21; em matéria de atenuação

    especial da pena cl)usula geral que conduz * atenuação especial sempre que eistamcircunst(ncias que Fdiminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa doagenteF8[ !. alma8. ondere-se que aqui se pretende prestar "nfase especial aos factoresrelevantes de privilegiamento. \uanto * proibição de dupla valoraçãoH o disposto no

     proémio do artigo 24;-1 constitui apenas uma manifestação, proibindo que o mesmosubstrato considerado pela integração do artigo 4::; se+a de novo valorado para efeito deatenuação especial.

    # homicídio privilegiado difere do homicídio com atenuação especial da provocação peladiferença de grau de intensidade da emoção causada pela ofensa e ambos diferem dalegítima defesa, Fgrosso modoF, porque nos primeiros o agente, ao contr)rio do $ltimo, não

    actua com animus defendendi. ' o ecesso de legítima defesa não se enquadra em algunsdaqueles porque o agente actua com a intenção de se defender mas eorbitando nos meiosempregados acrdão do /0 de 44 de 9ezembro de 4556,  BMJ  761, p. 1E28.

    %. %iguez Aarcia. Direito penal .B arte especial, D :; homicídio privilegiado8, orto, 1EE2.

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