Post on 07-Jul-2020
Pompéia e a presença do Culto de Ísis, como manifestação da interação cultural no
Mediterrâneo nos Séculos I a.C e I d.C.
Autor: Nilson de Jesus Cassoma Diogo.
Mestrando em História Política pelo PPGH-UERJ.
Bolsista pela CAPES/CNPQ.
Orientação: Prof. Dra. Maria Regina Cândido.
E-mail:
Niklaspavell@yahoo.com
Resumo: A imagem que temos da cultura e da religião romanas (ou Greco-romanas), é a
de um panteão homogêneo, sem qualquer influencia vinda de outros povos ás margens
do Mediterrâneo. No entanto, as evidências materiais, contidas nas ruínas do Templo de
Ísis, no entanto, indicam a existência da intensa circularidade cultural em especial, entre
a Grécia, que primeiramente, teve contato com o Egito, ainda no período faraônico, e que
posteriormente, por ocaso da conquista romana, transmitiram através de soldados,
comerciantes e escravos, as práticas e o culto de Ísis, favorecidos tanto pelas próprias
características da sociedade romana, quanto pela conjuntura verificada nos últimos
períodos do regime republicano em Roma. É claro, considerando as singularidades
existentes entre o Culto desta deidade egípcia, em território romano, tendo Pompéia por
expoente, e aquela existente no território egípcio, de onde se originaram.
Summary: The image we have of Roman (or Greco-Roman) culture and religion is that
of a homogeneous pantheon without any influence from other peoples on the shores of
the Mediterranean. However, the material evidence contained in the ruins of the Temple
of Isis, however, indicates the existence of the intense cultural circularity in particular
between Greece, who first had contact with Egypt, still in the pharaonic period, by the
end of the Roman conquest, transmitted through the soldiers, merchants and slaves, the
practices and the cult of Isis, favored both by the very characteristics of Roman society
and by the conjuncture observed in the later periods of the republican regime in Rome. It
is clear, considering the singularities existing between the Cult of this Egyptian deity, in
Roman territory, having Pompeii by exponent, and that existing in the Egyptian territory,
from where they originated.
Palavras-Chave: Culto a Ísis – Pompéia – Circularidade e interação Cultural – Religião
tradicional.
Key-Words: Cult of Isis - Pompeii - Circularity and cultural interaction - Traditional
religion.
Tendo em vista a relevância da religião, para a sociedade romana, em especial, em
meio á crise da Republica Tardia, podemos indicar que o êxito da instauração do Culto
de Ísis em uma cidade de intensa dinâmica, comercial e de fluxo de pessoas, que favorecia
a interação cultural, que engendrou o crescimento deste culto.
Isis, divindade egípcia, cujo nome original é Aset [ou Trono, que aparece no topo
da cabeça em representações da deusa, nas paredes dos Templos], foi a partir de suas
características e atribuições, assimilada primeiramente a deidades gregas, como Afrodite
e Demeter, e finalmente a Vênus, uma das principais deusas romanas, genitora da gens
Iulia, que originou os príncipes da dinastia Julio-claudiana, e entre os quais se inserem
Julio Cesar, Marco Antonio e Otaviano Augusto.
Pompéia era uma cidade ligada ao comércio, tendo em seus arredores, solo
favorável a agricultura, e sendo a fertilidade, uma das características atribuídas á Isis, esta
divindade veio a calhar, como parte do processo de integração e assimilação de novas
divindades ao Panteão romano, pois era necessário na visão primordial daquela
sociedade, que para conquistar um território pertencente a seus adversários, necessitavam
obter o favor de seus deuses, trazendo-os para o seu lado.
Tendo isto em mente, é imperiosa a tarefa de desconstruir a imagem da Sociedade
Romana. Tanto sob a República quanto sob o Principado, e que tem sido retratada, como
praticamente homogênea em termos culturais e religiosos, e onde imperava de forma
absoluta, a religião tradicional sancionada e subvencionada pelos magistrados.
A força e a infiltração do Culto a Ísis, divindade que apesar de Estrangeira
(egípcia, cujo nome original no Egito, é Aset), encontrou grande acolhida entre os
romanos, indica que não apenas a Plebe, mas também, parte do patriciado na localidade,
lhe conferiu adesão.
Ao que indicam certos autores, inferem que o sucesso deste culto, se deve ao fato
de trazer respostas ás angustias, geradas, especialmente pelo que Baldsdon descreve como
“desastres das guerras civis, decorridas de choques entre patrícios e plebeus, em torno da
questão dos direitos, e sobre como Roma seria governada, para não citar as lutas entre
generais, pelo poder” (1968, p. 188).
Além disso, Cultos como o de Ísis continham elementos, que a religião tradicional,
não conseguia suprir, pois estava engessada pelo rigor da execução de fórmulas e
procedimentos litúrgicos, que em grande parte, haviam perdido o sentido para grande
parte da população, no território romano em geral, o mesmo se repetindo na cidade de
Pompéia.
É importante frisar que esta obsessão pelo rigor na observação das Fórmulas e
orações herdadas do Culto aos deuses Lares, esta obstinadamente presente entre os setores
do Patriciado, mais resistes ás inovações e em admitir as transformações trazidas pela
própria expansão territorial romana após as Guerras Púnicas.
Os mistérios envolvidos nas cerimônias de iniciação ao culto, e a associação feita
entre Isis e as divindade grega Afrodite, e a Romana/Latina Vênus, fizeram com que este
culto se caracterizasse como predominantemente feminino, em contraste com o verificado
em território egípcio, onde este culto era restrito aos homens, sendo esta deidade tipificada
como a legitimação e afirmação do poder dos Faraós.
Posto que na sociedade romana, a religião era segundo a tradição, comandada por
homens integrantes das gens, em suma, patrícios membros das grandes famílias da
Cidade, únicos a não apenas exercer a magistratura, mas também o sacerdócio. Isso revela
um contraste entre estas duas formas de interação religiosa, tendo em vista que as relações
entre Roma e seu entorno no Mediterrâneo, possam ser vistas, como mera subordinação
e dominação das ultimas pela primeira, mas sim, como uma relação na qual, dois
universos culturais influenciavam-se mutuamente. E isso indica a operação da
Circularidade cultural descrita por Ginzburg, pois a presença de um culto estrangeiro de
forma tão proeminente, reforça a existência de
relações que permeiam, nesse período, as duas culturas: a do patriciado e da
religião tradicional, cuja vertente mais visível, é o culto a deidades como
Vênus intrinsecamente ligada ao Estado romano, e a cultura egípcia e
helenística, representada pelo culto a Ísis, de inicio, verificada entre os extratos plebeus (ou não patrícios) (GINZBURG, 1987, p. 200).
O fenômeno verificado em Pompéia, desvelado em sua complexidade e amplitude,
desconstrói por completo a idéia de que Roma, somente irradiava sua influencia sobre o
restante do Mediterrâneo. A bem da verdade ela recebia influencia de todas estas regiões,
sendo estas ultimas suas tributárias. Uma observação a ser destacada aqui, é que havia
um processo de seleção sobre os elementos culturais estrangeiros que passariam a integrar
seu espectro cultural. E sobre isso, Claudia Beltrão da Rosa, nos notifica sobre o
funcionamento das estruturas de poder em Roma, que procuravam barrar tudo o que
vissem como ameaça, sendo tolerantes com os demais.
Portanto, a cultura material, através dos vestígios do Templo de Ísis, no interior
de uma das principais cidades da Península Itálica (o centro por excelência do Império
Romano), nos revela quão intensa era a circularidade e a mobilidade de cultos no mundo
Mediterrâneo, sendo também tornado patente a influencia deste culto sobre os Romanos,
entre os quais, estava presente desde o Século II a.C, chegando primeiramente através dos
soldados1, escravos e mercadores, posteriormente obtendo adesão entre pessoas de grupos
sociais privilegiados, inclusive entre aqueles, encarregados de manter a religião da cidade
[diga-se tradicional]. Isso teve implicações que segundo nos informam Mary Beard, John
North e Simon Price repercutiam na vida política não apenas da cidade, mas de todo o
império, devido ás inovações implementadas por este culto, exemplificando que
O culto de Ísis, com o sacerdócio independente e estes devotos para uma
divindade pessoal e humanitária poderia representar (Como o culto báquico) uma sociedade alternativa potencialmente perigosa , fora do controle da elite
política tradicional.
1 Isso ocorria recorrentemente em relação aos soldados, pois permaneciam por muito tempo fora de suas
regiões de origem, e entravam em contato com manifestações religiosas de diversos povos, sobretudo
gregos e egípcios, o que dá a relevância da influencia destes dois povos sobre os romanos, pois foi através
da Grécia helenística, que a priori, os romanos tiveram contato com o culto a Ísis.
Assim como a Astrologia, com esta forma e conhecida nas mãos de um circulo
de religiões especializadas entre os diversos grupos na cidade, necessariamente
constituindo um grupo social distinto (e talvez rival), e foco de poder religioso.
Embora nem todos tenham vista neste fenômeno, a emergência de uma
sociedade alternativa no sentido de integração ou pertencimento a um grupo,
isso representou (como nos temos visto em outras áreas anteriormente) uma
forma de diferenciação religiosa que ameaçou a não diferenciada amalgama
político-religiosa das praticas tradicionais romanas. (BEARD; NORTH;
PRICE. 1996, p.161).
Neste sentido vislumbramos o choque entre dois modelos sociais propostos a
partir de paradigmas religiosos. E conforme o que os autores há pouco referiram, tem
impacto direto em questões políticas, pois atingem a integridade do mos maiorum e do
Estado romano, e temos a confirmação desta nuance pela elucidação executada por Robert
Caudill, ao afirmar que “a despeito da rápida reconstrução do Templo, após o terremoto
de 17 d.C, e do uso de seu projeto como recurso da manufatura e da influencia política,
esta seria uma via para explanar sobre o perfil dos seguidores do culto na cidade”
(CAUDILL, 2015, p. 4).
Foto: Ruínas do Templo de Ísis em Pompéia. Fonte:
O principal santuário do templo de Isis.
A presença de um culto como este, indica que a religião tradicional, não estava
fazendo frente á conjuntura emergente na republica tardia em Roma, uma época marcada
em definitivo pela crise interna, desencadeada pela expansão territorial romana, onde os
generais, a partir da regência de Mario em 107 a.C, passaram a recrutar entre a Plebe
urbana, os elementos mais desassistidos, e recompensando-os com terras nas regiões
conquistadas, levando estes exércitos a serem leais, não ao Senado em Roma, mas sim ao
magistrado ou general que lhes beneficiava. E Versani, indica que este movimento:
levou a crise da República em Roma, resultante ou somatório de fatores
combinados como a expansão territorial, as guerras civis advindas das disputas
entre magistrados pela primazia política, foram fenômenos cuja duração
marcou um Século. Convenhamos que o entendimento deste processo, termina
por influir no crescimento vertiginoso dos cultos orientais de mistérios, em
especial o Culto a Ísis (VERSANI, 2013, p. 104).
Portanto, temos além da presença, pregressa do culto egresso também, através da
Magna Grécia, a conjuntura política local em Roma, que leva boa parte da sociedade,
insatisfeita com a falta de respostas a situação, pela religião tradicional, passa a buscar as
mesmas nos cultos orientais de mistérios, e sendo Ísis, uma deidade assimilada e com
características de similares gregas como Afrodite e Demeter e da Romana Vênus,
conseguimos compreender ao menos parcialmente, as razões para seu crescimento. Assim
Meyers enfatiza que aos olhos dos romanos, este processo realmente teria tido esta causa
destacando também que
Os romanos tinham seu próprio panteão de deuses e eram conhecidos por
assimilar divindades estrangeiras em sua cultura. Por que, então, os cultos estrangeiros atraem tantas pessoas diferentes? E por que razões? Por que o
culto de Isis era tão popular, particularmente para as mulheres? O que a religião
misteriosa oferece aos seus adeptos que a religião romana tradicional talvez
não pudesse ofertar (MEYER, 2016, p.2).
Foto: Imagem sagrada de Ísis. Objeto presente no Museu de Nápoles. Fonte:
https://isiopolis.com/2009/10/22/earthquakes-volcanic-
eruptions-the-temple-of-isis-in-pompeii/.
Tais questões adentram na questão de singularidades que o culto a Ísis adquiriu
na Grécia e em Roma, tais como o já citado fato de ser uma religião muito ligada ás
mulheres, fato que não ocorria no Egito, quando Marina Rockemback sublinha que
no Egito, o culto a Ísis, era majoritária e quase que exclusivamente masculino,
conforme verificamos em Heródoto: ‘o sacerdócio é reservado aos homens’
(Hist.II-XXXV) e em Atenas seu culto era em sua maioria feito pelas mulheres,
devido às características que lhe são atribuídas. No Egito, Ísis era referenciada através da demonstração de poder dos faraós egípcios, pois era referenciada na
condição de mãe do Faraó e guardiã do Trono, até a maioridade do Filho
(ALMEIDA, 2016, p. 47).
Esta transformação se deve a maneira como se deu a apropriação das
características atribuídas a Ísis originalmente pelos egípcios, através da religião Greco-
romana. E Laughlin, prenuncia que esta assimilação foi possível, por que essas
populações, com “culturas aparentemente opostas e distantes, perceberam que seus
deuses eram semelhantes em muitos aspectos e atribuições (...) o que facilitou o
sincretismo de Ísis com divindades romanas como Vênus” (2019, P2).
Tal hipótese encontra reforço na avaliação de Maria Fantacussi, relatando sobre a
forma como o helenismo propiciou esta assimilação e a circularidade do culto de Ísis,
ocasionada pelo sincretismo religioso, ressaltando que
“basicamente um processo similar de “sincretismo religioso” teria ocorrido
com relação à cultura romana, na medida em que houve um grande
relacionamento político, econômico e social entre os romanos e todos os povos
da antiguidade, sobretudo no final do período republicano e durante o Império
Romano, e como exemplo mais elucidativo disto, temos as honras concedidas
por Julio Cesar á Cleópatra VII, quando de sua estadia em Roma, concedendo-
lhe uma estatua no templo de Venus Genetrix, divindade associada á Isis.
Conseqüentemente acreditamos que o culto isíaco, obteve grande relevância
na cultura romana no século II, posto que fora fixado sob formas helenísticas,
portanto, tratando-se de um culto egípcio já transformado por diversos contatos culturais pelo Mediterrâneo (FANTACUSSI, 2006, P. 20).
Não obstante, o culto de Ísis ser bastante difundido em Pompéia e em todo o
território romano, como reflexo da política assimilacionista, houve ocasiões em que este
chegou a ser visto com suspeita, segundo destaca Alyson Cooley, frisando que esta visão
poderia estar ligada á sua popularidade posto que
2 Esta citação, não possui paginação, pois o artigo original se encontra em um Site na Web, informado entre
as referencias bibliográficas.
a concepção de que a notoriedade do culto de Ísis, refletiu algum tipo de crise
religiosa, levando a avultação de adeptos de uma crença baseada em um culto
que requer iniciação à custa de cultos públicos "tradicionais", evidenciando sua
diferenciação (...), embora o culto tenha sido reputado com suspeita em Roma
até o século I d.C. A referência aos ‘adoradores de Ísis’ em mensagens de
advertência, no entanto, certamente implica que pelo menos alguns de seus
adeptos tinha um senso de identidade de grupo não encontrado com outros
cultos (COOLEY, 2004, p. 85).
Ou seja, ficou subentendido, pela experiência com a perseguição ao culto báquico,
alguns séculos antes, que a religião constituía o cerne da construção da identidade de um
grupo, e portanto para alguns patrícios, a presença de cultos que não os ditos oficiais,
representava uma ameaça á forma como toda a sociedade romana se encontrava
estabelecida. Neste ponto, Claudia Beltrão da Rosa, levanta que isto se dava pelo fato de
as autoridades romanas estarem imbuídas pela idéia de que a religião seguia e
expressava as linhas mestras da estrutura social. Os cultos públicos, relativos
a religião oficial, eram organizados pelo Estado, e dessa forma, refletia toda a
estrutura de poder existente naquela sociedade, sendo o crescimento do Culto
de Ísis, também, um indicativo de uma época de crise (ROSA,2006, PP. 152-
153) .
Dentro deste cenário, vislumbramos que para o contexto social e temporal da
sociedade romana da época, não havia separação entre a confissão religiosa e a identidade
politicamente estabelecida, e isso ajudaria a elucidar as razões para a reação verificada
contra os seguidores do culto a Baco, onde a mesma autora completa que “a organização
dos grupos báquicos, foi considerada uma ameaça aos romanos também por trazer uma
nova e perigosa forma de poder” (2006, PP. 152-153).
O principio levantado pela autora, vão ao encontro ao que Nobert Roland pontua,
por sua vez, quando em se tratando de influencia cultural estrangeira, neste caso,
representada pelo culto a Ísis, sob o argumento de que “na realidade, Roma não tolera
jamais a influencia de uma cultura estrangeira, mas mostra-se receptiva tão-somente á
acolhida de certos elementos culturais” (1997, p. 115).
Partindo das observações feitas pelos autores acima, podemos ver que a sociedade
romana, não era uma ilha, uma localidade isolada do contato cultural, político ou religioso
com outras localidades, e esta hipótese encontra amparo, nas afirmações de Claudia
Beltrão da Rosa, sustentando que
desde seus primórdios, Roma, estava longe de ser uma comunidade isolada de
seu entorno, desenvolvendo suas próprias tradições. Os romanos mantiveram
desde longa duração, contatos com outros povos que indubitavelmente,
influenciaram seu desenvolvimento cultural (ROSA, 2006, p. 140).
Neste ponto, temos a confirmação de que a chegada de deidades como Ísis, e sua
aceitação em território romano, não era algo estranho, embora, esta sociedade, não se
limitasse a simplesmente copiar e seguir á risca os cultos importados,algo preconizado
em relação ao que os romanos faziam com as divindades helênicas. A despeito disso,
Renata Garrafoni sentencia que “ao longo da história romana, seus dirigentes,
incorporaram e mesmo introduziram formalmente uma legião de divindades estrangeiras
em seu culto oficial, conforme sua conveniência” (2015, p. 16).
Estes elementos em seu conjunto confirmam a ocorrência de intensa circularidade
e interação cultural no mundo Mediterrâneo, e não simplesmente, um conjunto de culturas
estanques, cada qual, limitada em seu espaço geográfico de nascimento.
Partindo da ruminação de Fustel de Coulanges, temos ciência de que a cidade tinha
seu princípio, não a partir de interesses comerciais ou militares/estratégicos, deste ou
daquele governante, e sim, como um ato religioso. Tal princípio nos é confirmado, quando
o autor verifica a respeito do ato inaugural da cidade romana, sugerindo que
O fundador e líder principal da gens, uma das grandes famílias que
comandavam a urbs, foi o homem que realizou o ato religioso sem o qual uma cidade não poderia existir. Ele estabeleceu a lareira onde o fogo sagrado estava
destinado a queimar por toda a eternidade. E por intermédio de suas orações e
seus ritos, chamou os deuses e os estabeleceu para sempre. na nova cidade
(COULANGES, 1979, p. 117).
Tal panorama incute-nos o perpassa a idéia de que a presença do culto de uma
deusa egípcia, no coração do território romano, dava a amplitude de que havia uma
presença egípcia, em Roma, o que sugere um impacto na forma como se constituía a
identidade romana, e mais do que isso, na reformulação desta identidade, como um
elemento hibrido, pois o culto a Ísis, comprovadamente tinha grande ascendência em
Pompéia. A maior evidencia disto, se encontra na materialidade, legada pelo Templo da
divindade na Própria cidade de Pompéia.
Ou seja, a própria idéia de cidadania e pertencimento ao mundo romano, bem
como á cidade, estava entremeada com o culto religioso, de tal forma, que a interferência
em um dos paradigmas, afetaria a própria urbanidade entre os citadinos.
A respeito da urbanidade, Gronlund a define como uma qualidade própria de
assentamentos ou formações citadinas, “como um rico campo informativo entre grupos
de seres humanos, e artefatos em espaço livre e acessível onde o novo e o inesperado
podem ocorrer em nunca vistas combinações novas e em crescente complexidade” (2007,
p.4).
Assim, temos a possibilidade de considerar as inovações trazidas pelo Culto a
Ísis, como um elemento adicional cujos reflexos se faziam presentes no comportamento
de seus habitantes, e na própria delimitação do que era a identidade romana. Não mais,
como foi dito anteriormente, como algo fechado em torno das religiões tradicionais, que
dada sua rigidez e imobilismo em torno das fórmulas herdadas desde a era do culto aos
deuses Lares, refletindo a grande resistência dos optimates ás transformações que então
se verificavam ao fim do período republicano.
E este imobilismo, contribuiu em grande parte para este crescimento. Sobretudo
se considerarmos que o mesmo foi introduzido em território romano, também com o
auxilio em parte de suas autoridades logo após uma das diversas Guerras civis que a
Republica enfrentou, o que é confirmado por Jasmine Ownbey, descrevendo que
“O culto de Ísis foi estabelecido de forma, digamos, oficial em Roma, durante
o período do consulado de Sulla, em uma das inovações promovidas por este
magistrado, que buscou tornar visíveis no quadro político, as transformações
sociais, pelas quais, Roma passava. Sem duvida no principio, esta presença se
deu, como um culto privado e secreto, ou seja, pouco depois da Guerra civil,
dando-se em seguida, embora de forma progressiva, o avanço do mesmo, entre
o tecido social romano” (91-87 a.C). (2008, p. 23).
Desta forma, temos a confirmação de que este culto, não deve ser visto, enquanto
um elemento estranho a esta grande cidade romana, e que portanto a fulguração do Culto
de Ísis, verificada, posteriormente, nos séculos I a.C e I. d.C , não só em Pompéia, mas
na própria Roma, onde se localizava o Iseum3. Desta perspectiva, temos ciência de que a
entrada de deidades estrangeiras, como Ísis, refletiu não apenas a política assimilacionista
executada ao longe de toda a História da urbe, mas também a expansão territorial de
Roma, pelo Mediterrâneo, em especial em direção ao Leste, onde seu contato com as
cidades gregas, introduziu entre seus soldados e mercadores o helenismo, dentro do qual,
estavam contidos os cultos Orientais de Mistério, com destaque para o Culto a Ísis.
Sob esta perspectiva, sabemos que havia também, por parte das autoridades
romanas, a intrínseca desconfiança dos patrícios, lideres de famílias mais antigas e
tradicionais, em relação a todos os elementos culturais e religiosos vindos do exterior,
cuja reação mais hostil, foi a notória perseguição e banimento ainda que temporário do
3 Como era chamado o Templo dedicado a esta deusa na Urbs.
Culto á Baco. E o Culto a Ísis, embora seja uma deidade estrangeira, encontrou acolhida
entre a Plebe, e após isso, entre os patrícios e figuras importantes da cidade.
Assim, podemos afirmar que Ísis não era de fato, uma deusa estrangeira, mas sim
uma divindade romana de origem estrangeira, fato que sua assimilação se deu de forma
intensa e continua, por mais de um século.
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