Post on 07-Jul-2018
8/18/2019 Das Oficinas, A Vida
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das oficinas, a vida
A. de Almeida
Edições de LacunaAveiro, 2016
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quatro livros à luz deste dia em que leio
a roda dos expostos
o pintor daltónico
o poeta escreve o céu
o pintor não foi cuidadoso
nunca expôs a vida
depois de empurrar para dentro
no museu eles guardam antigas
as marcas dos expostos
a marca da água
uma árvores está plantada
porque te hei-de mentir
homens devoraram
a oficina de artes
se ensinas uma teoria
podes ver que os aprendizes
os aprendizes nada te exigem
eles são aprendizes e sabem
a arte de voar
filtro os sons da água
nos ombros da mulher de pedra
como desenhar as fronteiras
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a roda dos expostos1
ao pintor joão pires
revisão e reimpressão de impresso distribuído nas exposições do pintor João Pires:1
Museu Princesa Santa Joana, Aveiro, 1991
Museu Machado de Castro, Coimbra, 1992
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O pintor vê passar um azul
que deve ser sacrificado.
Tem pena dele e ordena que seja
substituído por um vermelho.
Ele confessa que isso aconteceu
porque viu o azul
e não via o vermelho. 2
a partir de uma clássica chinesice2
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O poeta escreve o
“céu
sem uma gota
de terra.”
O pintor mistura, com muitos cuidados,
as colas, os vernizes, os axis,
as folhas, as raízes e a terra..
Despeja a sua mistura numa tela.
E, com os seus dedos sujos e os pincéis dos seus cabelos,
espera um momento de céu até que,
exausto,adormece sobre a tela.
O céu torna-se então o eterno instante
em que o pintor descansa
coberto de terra,
raízes, folhas,
azuis, vernizes, colas,
cuidados.
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O pintor não foi cuidadoso:
Começou por pintar as águas do canal e,
nesse espelho,
pintou o céu, as casas e algumas pessoas que passavam.
Quando levantou os olhos
para pintar a realidade acima das águas,
ela não estava lá..
Com horror,
ouviu os gritos dos afogados.
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Depois de empurrar para dentro
os cotos dos lápis, o carvão, as bisnagas,
as espátulas, os pincéis, as facas, os panos e os papéis,
fechou cuidadosamente as gavetas atulhadas da velha cómoda.
E pregou-as e colou-as. Com várias demãos de negro e verniz,
o pintor tentou inutilmente tapar as manchas de cor da sua vida.
Só uma pequena gaveta, que sempre estivera
vazia, permaneceu aberta, negra
e vazia.
Na sala
do museu, ninguém deixade espreitar para dentro daquela
pequena gaveta
vazia.
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No museu
eles guardam antigas
mesas e cadeiras, molduras
nas paredes, telas pintadas, esculturas.
O pintor guardaria
um inacessível ponto de luz
e de fuga para que deus visse a gelada
linha de luz, o trajecto feito de fio do esquecimento.
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as marcas dos expostos3
aos pintores
impresso pelo autor com tiragem mínima de 1 exemplar, em 1995 e em Aveiro, como se fora3
para “Edições da Laguna Poluída”, sem direitos de autor, sem depósito legal e sem qualquer
mérito; sob o título “Oficina do Pintor João Pires”
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a marca de água
O alimento dos animais
e das plantas é ainda a nuvem que cai do alto
sobre o cristal desvelado por cascos indomados
por um fio de água, metal e vapor, uma raiz mineral abraça uma pedra
e é do cerne viscoso da pedra que um caule vegetal brota
para a luz uma fonte vira o seu olhar azul
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Uma árvore está plantada
onde o lago começa
O poeta disse que a árvore
bebe a tensão do espelho,
em que o sol reflecte
a sua vaidade,
e não bebe a água e que,
ao contrário do pensamento
dos pintores, é a folhagem
que bate e expulsa o vento.
O poeta sabe que é o sol
quem vagarosamente bebe
o vapor de água.
e recorta
com todo o cuidado
um quadrado da neblina da manhã.
O pintor atira a pedra
rente à superfície das águas
e conta as vezes que a pedra
salta antes de se afundar na tela
do lago da tela.
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Porque te hei-de mentir em cada movimento?
Que me custava obedecer-te? —
—Estas são as dúvidas da mão do pintor
da mão que treme.
— Ateia o fogo à cabeleira
do pincel e deixa-o contorcer-se
de dor sobre a tela. —
Este é o conselho do poeta amargurado
que habita a oficina do pintor.
Antes de pendurar as folhas brancas e suadas,
para que corem expostas à vergasta do sol e à malícia humana,
o pintor espreita a todas as portas iguais que toas as telas são.
O pintor tenta ficar sossegado, apesar do que vê quando se espreita.
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Homens devoraram uma aldeia
e dela resta uma inóspita terra de cegos
e as visões obstinadas de uma imortal bruxa.
Os pintores são os cegos da aldeia da bruxa das visões.
Quando se juntam
Umas vezes são eles que pintam a descrição da bruxa.
Outra vezes são os poetas a fornecer as cores e é a bruxa
que, em transe, devolve as paisagens e a loucura dos evidentes.
Os pintores contam o que sabem
a ninguém..
E os poetas sabem
a ninguém.
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Se ensinas uma teoria sem teoremas
não tens que dominar a arte e a técnica da demonstração
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Os aprendizes nada te exigem:
nem demonstração, nem resposta.
Eles são aprendizes e sabem que as tuas respostas
vão esvair-se como se esvai o sangue vermelho
da nuvem desfeita em lágrimas ardentes
por dentro da ausência
de uma armação sem tela.
Eles são aprendizes e sabem que,
para ti,
as mais intuitivas de todas as respostassão sobre a cor do vento e a forma do ar.
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Eles são aprendizes e sabem que o espírito deste lugar
habita
nesse
que mostra e não demonstra.
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a arte de voar5
aos sonhadores
impresso em papel de embrulho [4 páginas a5, ou a4 dobrada (frente e verso) ]numa tiragem5
mínima de 1 exemplar sem qualquer referência a possível editor, sem data, sob o título “a arte de
voar”
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Filtro os sons da água e a água
e mergulho uma folha rabiscada
para que se dissolva a sagrada
escritura da minha mágoa
e a tinta forme então a pomba
que bate asas e desenha um voo
como risco branco a rasgar o céu.
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Nos ombros da mulher de pedra e pranto,
repousam os cabelos da árvore caída.
Enquanto
a ave de granito,
de asas partidas,
ensaia o voo de um grito.
da minha mão levanta voo a pedra.
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Bastou um autor
Arsélio Martins
sem direitos nem deveres, sem créditos nem débitos,
sem qualidades nem quantidades; com mínimos:
no mínimo dois dedos, um computador, uma impressora e papelpara um exemplar impresso
para dar um princípio a isto
Edições de Lacuna
Aveiro, 2016
e declarar que o primeiro livrinho chegou ao
FIM